E Ele estará entre nós novamente... ERIC CLAPTON, talvez o maior
guitarrista de rock/blues de todos os tempos, fará três apresentações no
Brasil em outubro (Porto Alegre, Rio e São Paulo). Mesmo carregando
consigo as conseqüêncas de seus excessos e já contando 66 anos,
“Slowhand” está excelente forma. O show, para os rockers e blueseiros de
carteirinha, é absolutamente imperdível.
Falar de CLAPTON é
pensar em blues, no rock, na virtuose, na técnica, nos solos e riffs
clássicos, e principalmente em “Layla”. Não há como afastar do
pensamento o seu masterpiece, sua assinatura definitiva. A canção
consegue resumir tudo o que ERIC construiu em quase 50 anos de carreira e
é a que mais empolga seu público.
“Layla” é uma das músicas
prediletas de CLAPTON (a preferida mesmo é “Something”). Ao falar sobre
ela, em uma entrevista, ERIC descreveu: “Eu sou incrivelmente orgulhoso
dessa canção. Ela ainda me nocauteia quando a toco. Eu amo ouvir essa
canção, é como se não fosse minha, como se eu estivesse ouvindo alguma
banda que eu realmente gosto.”.
A canção faz parte do sensacional e
indispensável álbum “Layla and Other Assorted Love Songs”, gravado em
seis semanas e lançado em dezembro de 1970 pela banda Derek and The
Dominos. Esse disco, top 20 da história do rock e top 5 da discografia
blues/rock, carrega clássicas como “Little Wing”, “Key To The Highway”, e
“Bell Bottom Blues”, só pra citar algumas.
Em 1970, após ter
deixado a banda “Delaney & Bonnie” e iniciado sua carreira solo,
CLAPTON partiu para um novo projeto: um álbum com essência mais
roqueira, diferente e definitivo, até mesmo conceitual, por assim dizer.
Cuidadoso, ERIC montou uma banda espetacular para gravar a obra prima.
Recrutou Duane Allman (Allman Brothers Band), o mago do “slide guitar”, e
dividiu com ele a responsabilidade pela maior parte do trabalho. No
mais, completaram o line up os ótimos Jim Gordon (batera), Bob Whitlock
(teclados) e Carl Radle (baixo), ex-companheiros de Clapton do Delaney.
Os quatro americanos trouxeram as desejadas influências roqueiras ao álbum, em especial a sulista yankee (Allman Brothers, Lynyrd Skynyrd...).
Ouvindo o disco, percebemos o rock, o blues, o soul e aquela essência
tipicamente estradeira, especialidade de Duane. Allman colocou um pouco
de tempero no blues tecnicamente perfeito de CLAPTON, e a mescla disso
foi a química mágica do disco.
Falando em química, o disco também foi calcado em drogas
nos momentos criativos. ERIC, o líder da matilha, vivia a heroína e o
álcool intensamente na época. O tecladista Bobby Whitlock, ao comentar o
assunto, fez um resumo sincero e matou a questão: ”As sessões de
gravação tinham um menu psicotrópico: cocaína, heroína e Johnnie Walker.
O resultado? Uma obra prima. CLAPTON oscilava à beira do caos, mas
nunca deixava de ser genial.”.
“Layla and Other Assorted Love
Songs” foi produzido por Tom Dowd, um mago que já havia trabalhado com o
Cream e a Allman Brothers Band. Foi ele quem intermediou a vinda de
Duane para o “Derek and The Dominoes”, certo de que algo brilhante
surgiria do encontro dos dois monstros da guitarra.
Ao lembrar-se
da incrível sincronia e entrosamento entre CLAPTON e Duane, o principal
diferencial do disco, Dowd disse: “Deveria haver algum tipo de telepatia
acontecendo entre eles, pois eu nunca havia visto inspiração espontânea
acontecendo naquele nível. Um deles tocava uma nota e o outro reagia
instantaneamente. Nunca um deles pediu ao outro para tocar de novo. Eram
como se duas mãos coubessem em uma única luva.”.
Tom acertou em
cheio... Ao permitir que as gravações fossem feitas em “jam takes” de
várias horas e depois aperfeiçoadas, Dowd conseguiu extrair o máximo da
criatividade dos caras quando estavam doidos e aproveitou a excelência
musical deles quando estavam sóbrios. Ao ouvir o disco pronto, Tom ficou
estupefato com o resultado e disse que aquele era o álbum mais
sensacional dos últimos 10 anos.
Incrivelmente o álbum teve
dificuldades em tornar-se um best seller, só chegando a um bom
posicionamento nas paradas 18 meses após o lançamento. As explicações
mais plausíveis são que a banda “Derek And The Dominoes” não era
conhecida pelo público (o nome de CLAPTON estava só na contracapa) e que
“Layla”, seu carro chefe, era grande demais para tocar nas rádios. Uma
maior exposição do disco só aconteceu com a vinculação do álbum à Eric e
com a execução de “Bell Bottom Blues” nas emissoras como música de
trabalho.
Infelizmente esse disco foi o único do lendário quinteto. A utilização massacrante de drogas
por todos os membros perturbou o que seria o início da gravação do
segundo disco deles. Alguns desses registros estão presentes na
discografia de ERIC, mas a obscuridade é clara. Em 1971 ainda houve o
falecimento de Duane, e qualquer tentativa de reestruturar aquela
brilhante banda foi-se pelo ralo.
Voltando ao disco, todo ele é
uma declaração de amor de CLAPTON à Pattie Boyd, então esposa de seu
grande amigo George Harrison. Várias de suas canções (“Layla”, “Bell
Bottom Blues”, “Have You Ever Loved a Woman” e “I Am Yours”) encaixam-se
perfeitamente no contexto em que viviam e nas circunstâncias adversas
para que o amor deles se consolidasse.
Falando especificamente de
“Layla”, ela é a trilha sonora do mais famoso triângulo amoroso da
história do rock. Sua letra é um conto de amor e obsessão dolorido e
amargurado, o relato de uma paixão arrebatadora por alguém inicialmente
inacessível.
O título da canção veio de um poema persa
imortalizado pelo azerbaijano Nezami Ganjavi, chamado “Leyil and
Majnun”. Os versos, datados do século XII, contam a história da princesa
Leyil, cujo casamento arranjado fazia sofrer o jovem Majnun, que a
amava desde a infância. Um final feliz era impossível, dadas as
diferenças entre os clãs familiares, e isso acaba levando Majnun à
loucura. Qualquer semelhança não é mera coincidência...
CLAPTON,
apesar de vender a imagem de uma rocha indefectível e inabalável, mostra
em “Layla” um lado humano, devotado e apaixonado como jamais fizera ou
fez. Seria mais “clapton” fazer um slow blues choroso e introspectivo
sobre o amor quase platônico por Pattie, mas ele preferiu a exposição, o
desabafo do fundo da alma, uma súplica piedosa por retribuição.
ERIC
começou a interessar-se por Boyd em 1969. Fico pensando em quanto ela
era irresistível e acabo concluindo que o grau era máximo. Afinal,
nenhuma musa inspiradora conseguiu três canções de tamanho quilate como
declarações de amor: “Layla” e Wonderful Tonight”, por CLAPTON, e
“Something”, lendária canção dos Beatles composta por George Harrison.
Em
1970 ERIC tomou coragem e declarou seu amor por Pattie em uma festa,
tocando “Layla” para ela. Mais cedo, na mesma balada, CLAPTON teria
procurado George e aberto o coração para seu amigo. Pattie resistiu a
ERIC por mais algum tempo, apesar da persistência inacreditável do
Slowhand.
Pattie descreveu em seu livro, chamado “Wonderful
Tonight”, como foi tocada pela música: “Eu fiquei impressionada e tocada
com a canção. Era tão apaixonada e devastadoramente romântica; dolorosa
e linda. Eu não pude resistir por muito tempo...”.
Leitoras
mulheres... Imaginem um homem apaixonado, com um violão, cantando isso
para vocês: “O que você fará quando ficar sozinha e sem ninguém
esperando ao seu lado? Você tem fugido e se escondido há tanto tempo,
você sabe que isso é só o seu orgulho bobo. // Layla, você me pôs de
joelhos, Layla, implorando querida, por favor, Layla. Querida, você não
acalmará minha mente preocupada? // Tentei te dar consolo quando seu
velho homem te abandonou. Como um tolo me apaixonei por você, você virou
meu mundo de cabeça pra baixo // Layla, você me pôs de joelhos, Layla,
implorando querida, por favor, Layla. Querida, você não acalmará minha
mente preocupada? // Vamos conduzir a situação da melhor forma antes que
eu acabe indo para a insanidade. Por favor não diga que não acharemos
uma maneira e não me diga que o meu amor é em vão...”. De quanto tempo
seria a sua resistência?
Em meio à insistência de CLAPTON, George
mostrava-se um tanto despreocupado com a profundidade das coisas. Sua
amizade com ERIC e o número de vezes que este o ajudou profissionalmente
pesavam para que sua reação não fosse hostil. Da mesma forma, seu amor
por Pattie já não era mais tão intenso. Provavelmente pensando em tudo
isso George abriu caminho para CLAPTON “roubar-lhe” a esposa.
Em
1974 Pattie divorciou-se de George, mas a saga dos vícios de ERIC,
naquele momento a heroína, os manteve afastados. Apenas cinco anos
depois, quando CLAPTON voltou para o álcool e ficou um pouco menos
maluco, os dois se casaram em meio à famosa tour de Eric naquele ano (do
sensacional disco ao vivo “Just One Night”).
Apesar de todo o
contexto ser realmente pouco convencional, George e CLAPTON continuaram
amigos. Continuaram a frequentar a casa um do outro e tocaram juntos
muitas vezes depois daquilo, inclusive no casamento de ERIC e Pattie.
Ambos brincavam com a situação dizendo-se “husbands in law”, como se
fossem parentes ligados por Boyd.
A separação do casal aconteceu
nove anos depois, segundo Pattie em razão dos problemas de CLAPTON com o
álcool. Em recente entrevista, Eric mencionou ter levado um grande
choque com a manchete de capa de um jornal britânico que divulgava o
livro autobiográfico de Boyd: “O alcoolismo de ERIC CLAPTON destruiu meu casamento”.
Musicalmente
falando, “Layla” foi idealizada como uma balada puxada para o blues.
Passou a ser uma canção roqueira com a co-participação de Duane e
alcançou um caráter híbrido com o piano do batera Jim Gordon.
Apesar
do instrumento não ser sua praia, foi dele a criação do movimento
maravilhoso que dá vida à segunda parte da canção. Reza a lenda que em
uma madrugada aleatória CLAPTON voltou ao estúdio e encontrou Jim ao
piano, tocando o que viria ser a metade final de “Layla”.
Se as
notas de Jim conseguiram fechar a canção com chave de ouro, o arrepiante
e incendiário riff de entrada é o cartão de visitas de “Layla”. A
inspiração para o começo veio desde um blues de Albert King, ídolo de
ERIC, chamado “As The Years Go Passing By” (1967). Em entrevista
concedida há mais de 20 anos, CLAPTON mencionou ter “seguido a linha de
notas desse slow blues e acelerado...”
Ao longo do som, temos um
dos mais inspirados solos de todos os tempos, a perfeita união de
técnica e feeling. CLAPTON e Duane praticamente duelam durante toda a
canção, mas remam juntos para torná-la inesquecível. Quem foi mesmo que
disse que solos roqueiros precisam de velocidade e que a guitarra não é a
rainha dos instrumentos musicais?
De
todas as versões de Layla que já assisti, a do vídeo abaixo é a menos
técnica, mas certamente a mais rica, rápida e aditivada. Em 21 de
setembro de 1983, em um concerto chamado ARMS Charity Concert, CLAPTON
dividiu o palco com Jimmy Page e Jeff Beck. A “Santíssima Trindade da
Guitarra” como muitos apelidaram, reuniu-se 15 anos depois e esmigalhou
em “Stairway to Heaven”, “Tulsa Time” e “Layla”. É hilário ver o pessoal
pedindo a Page que toque mais devagar...
Ainda falando de vídeos
de “Layla”, preciso indicar o vídeo onde CLAPTON reinventou-a, em seu
“Unplugged” (1992). Acompanhado de feras como Nathan East, Ray Cooper e
Andy Fairweather Low, ERIC cortou a parte do piano e criou um arranjo
sensacional. A música ficou mais lenta, swingada e blueseira, típica dos
bares de New Orleans. Simplesmente sensacional.
Acústica ou
elétrica, rápida ou veloz, em 1970 ou em 2011. Não importa quando, como
ou por que. “Layla” despreza tempo, ritmo ou intensidade e marca nossos
corações a cada audição. Definitivamente sua perfeição a fez imortal...
Abraços a todos!
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